Nunca vou esquecer o dia em que eu e Camila abrimos o exame de sangue. Ao ver o resultado ficamos um minuto apenas olhando um para o outro em silêncio, com uma mistura de todos os sentimentos possíveis.
De repente, toda minha concepção de paternidade mudou. Senti medo e alegria ao mesmo tempo, medo de não conseguir arcar com os cuidados que uma criança precisa e ao mesmo tempo uma enorme alegria por realizar esse grande sonho.
E eu que era um cara sempre sem grana, correndo atrás do prejuízo, ainda me encontrando profissionalmente, me vi vivendo um contraste muito grande, pois toda a vontade de ser pai, vinha com o peso da responsabilidade, medo de não conseguir dar conta disso tudo.
Passado o susto de saber que seríamos papais, veio o lado gostoso da gravidez: pensar em nomes, se seria menino ou menina, e já fomos apostando que qualquer que fosse o sexo, jogaria futebol ou altinha.
Até os 5 meses de gestação, eu idealizei um filho normal, sem doença alguma, como qualquer pai imaginaria, um filho ativo e inteligente. E claro, veio a tristeza com a notícia, pois não seria fácil, mas ao mesmo tempo foi extremamente motivador viver isso, pois me deu forças para lutar, e ser o melhor pai que poderia ser para ele.
E então, o Henrique nasceu.
E mesmo com todo suporte familiar e meu pai sendo médico (o que nos deixou muito mais confiantes e tranquilos), é uma batalha muito grande correr atrás de médicos especializados, exames, cirurgia, dentro do nosso sistema, mesmo com plano de saúde.
Comecei a correr atrás, pesquisar o que seria o melhor para o Henrique, para estimulá-lo, e assim diminuir o máximo possível os impactos da doença sobre ele. Se ele tivesse 1% de chances de ter uma vida normal, eu estava disposto a fazer que esse 1% fosse o melhor do mundo, apenas pensando em dar para ele a melhor vida possível. Com isso, passei a enxergar a vida de uma outra forma, como não estamos acostumados a ver.
Quando a Camila retornou ao trabalho, foi quando eu fiquei mais tempo com o Henrique.
Fui virando pai nesse tempo, pude perceber meu filho melhor, com a percepção que não tinha quando ele ainda estava na barriga. Entendi que tinha um serzinho que era meu, e precisava cuidar dele ao máximo e não havia tempo para outra coisa. Só comia e trabalhava de casa, intercalando com mamadeiras, banhos e fraldas.
Por mais que eu fizesse tudo possível para amenizar o sofrimento do meu filho, é muito duro saber que não poderia protegê-lo de tudo, das decepções e sofrimentos que passaria. Eu não sofria por mim, por ter um filho assim, eu sofria por ele. Por não saber o que se passava dentro dele, quando ele estava chorando, por exemplo, se era dor de cabeça ou um choro normal de criança. Como pais, vamos aprendendo a identificar, mas sempre existe uma angústia de não saber ao certo o que nosso filho sente.
Tive meus medos de não conseguir, tive minhas dúvidas, o que nunca foi empecilho para querer o meu filho e querer cuidar dele. Eu sabia que como tudo na minha vida, eu também daria um jeito de conseguir as coisas para o meu filho. Medo e dúvida são passageiros, por isso não podemos deixar tomar conta de nós. Eu sabia que era forte e teria forças para lutar por ele, até hoje, se ele ainda estivesse aqui. Acho que Deus foi bom e ruim ao mesmo tempo. Bom porque tirou o sofrimento que de repente, o Henrique estaria passando hoje em dia, ruim porque tirou ele de nós, deixando essa saudade.
Ter um filho é muito bom! O meu filho me ensinou muita coisa, e mesmo ele não estando mais aqui, continuo aprendendo muito com a situação dele. A dar valor a minha vida, a vida de outras crianças, de outras pessoas. Sempre que converso com algum pai ou mãe, digo para aproveitarem muito seus filhos, abraçar, beijar, brincar bastante porque eu não posso mais, não posso tê-lo pertinho de mim fisicamente, apesar de tê-lo no meu coração e na minha cabeça. Todo tempo com nossos filhos é precioso, e eu queria ter tido mais tempo com o meu e não posso ter.
Não quero que ninguém pense nessa história de uma forma ruim, quero que pensem no Henrique como um professorzinho que veio para ensinar as coisas para a gente. Foi muito bom ter um filhinho como ele, com seu cheirinho, seu jeitinho. Hoje carrego o seu nome no meu peito, isso me conforta, e me lembra que fiz de tudo para acertar. E se errei foi tentando acertar, sempre.
O Henrique me dá essa força de viver a vida com mais afeto pelos que amo, estar perto da minha família, dos amigos, estar mais presente e fazer o bem. Comecei a me envolver com permacultura e bioconstrução, graças ao Henrique, justamente porque agora quero fazer o bem para outras pessoas, e esse é um trabalho que acredito. Se cada pessoa estiver disposta a fazer o bem, o mundo melhora.
Faço pelo Henrique, e pelas crianças que possam vir a nascer com o mesmo problema que o dele, tenham condições melhores e mais conforto, um dia.
E também acredito na evolução da nossa espécie, acredito que ele se foi para dar espaço para outras vidas virem, creio que ele cumpriu a missão que ele tinha aqui que era nos ensinar sobre a vida, e também fazer nascer esse blog para ajudar outras mães. A saudade fica, a dor passa. Eu vejo a saudade como parte positiva, pois me lembra tudo que ele me deixou de bom. A tatuagem no meu peito é com a data de morte dele, pois para mim esse dia me mostrou o que é eternidade e ele sempre será eterno para mim."
Depoimento: Henri Silva (Pai do Henrique)